A história de todo herói é um pouco a nossa história. Segundo pesquisadores que estudam os mitos antigos e modernos as histórias que passamos de geração em geração sobre os heróis lendários, e mesmo aquelas criadas pelo cinema ou pelos quadrinhos, são na verdade histórias sobre a nossa vida. Elas contam os desafios que temos que enfrentar em vários momentos da nossa aventura pessoal. O drama do herói é o drama do ser humano. Seus problemas são os nossos também. Suas fraquezas e forças são as mesmas que temos. E é por isso que essas histórias são recontadas. Elas servem para nos ajudar a superar nossas dificuldades e acreditar em nossos “poderes”.
O herói sempre enfrenta um vilão. Se nosso herói é um super-herói ele terá um super-vilão à sua altura. Eles também tem seus poderes e suas fraquezas como todos nós. São ardilosos, espertos e malvados. Arriscam tudo para executar seus planos.
A coleção de vilões é enorme. O Batman tem vários. Ele enfrentou loucos como o Espantalho, o Curinga e o Pinguim. O Super-Homem tem que enfrentar Lex Luthor. Harry Poter teve que se ver com o malvado Voldemort, que nem podia ter seu nome pronunciado. O Neo tinha que enfrentar o Mr. Smith em Matrix enquanto o eterno pirata Davy Jones arrastou sua barba de tentáculos pelos mares do Caribe. E temos também o maior de todos os vilões do cinema, Darth Vader, que aterrorizava uma galáxia muito distante com sua voz robótica e aquela mascara negra icônica.
Como nas histórias dos heróis, nós também temos vilões a enfrentar durante a vida. Alguns tem pouca importância e são fáceis de derrotar. Mas o nosso arqui-inimigo, o maior de todos os vilões e mais poderoso de todos, não se mostra tão facilmente. Ele é perigoso e misterioso. Você não o percebe mas ele invade sua mente. Ele te engana e age nas sombras. Vai corroendo sua alma e destruindo sua felicidade sem que você note sua presença. Cria um inferno na sua vida e você nem sabe que é ele que está por trás disso. E esse é o maior poder dele: estar invisível dominando seus pensamentos e ações. Se você cai na sua armadilha fica preso como na teia de uma aranha.
Esse vilão é a Idealizacão. Idealizar é manter uma crença sobre como o mundo, as pessoas e você mesmo “deve ser”. Na medicina usamos muito a expressão “padrão ouro” para dizer que algo é o mais alto nível de excelência que se pode atingir para diagnóstico ou tratamento. Em nossa mente estabelecemos também um “padrão ouro” para tudo na vida. Não só temos uma crença sobre o que é o melhor mas também sobre como tudo deveria ser e funcionar. Isso pode parecer bom, como na medicina, mas não é. Aquilo que nós idealizamos geralmente é perfeito e inalcançável. Somos exigentes demais e colocamos nesse padrão uma forma nossa de querer que as coisas funcionem. Ou seja, você gostaria que o mundo fosse assim, que você fosse assim, que os outros se comportassem assim. Aqui os problemas começam por que o mundo não se comporta da forma como eu desejo. Ele não vai seguir os meus “padrões ouro”.
A idealização é um inimigo perverso e sagaz. Determinando um padrão sobre como você deveria agir, ser e quais os resultados deveria alcançar em cada tarefa que executa, ela nos joga em uma armadilha cruel, o perfeccionismo. Tentando sempre alcançar o ideal dividimos nossa energia, esforço e pensamentos entre a tarefa e a verificação se ela está sendo cumprida da forma como deveria ser. O sofrimento é enorme para o perfeccionista por que qualquer coisa que deve fazer vem acompanhada de uma intensa ansiedade por que é uma prova do seu desempenho. Imagine fazer de cada tarefa da vida uma prova. Não é fácil. E como o idealizado não pode ser alcançado cada oportunidade dessa serve como prova da nossa incompetência mesmo quando o resultado tenha sido brilhante. Por que nunca está bom o suficiente e se não está bom o suficiente é por que não devemos mesmo ser bons. A idealização acaba por nos fazer bombardear nossa autoestima.
Os tentáculos da idealização se espalham por outros lugares. Ao criar um jeito ideal para o mundo funcionar ela nos apresenta um mundo impossível regido pelas regras do nosso desejo. Claro que gostaríamos que o mundo fosse feito sob medida para cada uma de nós mas essa opção não está disponível. Os erros acontecem, os acidentes, as mudanças de percurso não seguem a nossa vontade. Se não entendo isso a vida se torna muito frustrante e nós não nos adaptamos ao mundo. O resultado é mais sofrimento a vista. Querer que as coisas fossem mais fáceis por exemplo é uma idealização muito frequente. Sempre existe um preço a se pagar por cada coisa que desejamos. Isso é inevitável. As barganhas e atalhos que tentamos fazer para descumprir essa regra nunca dão certo. Os exemplos são vários. Não dá para emagrecer por exemplo sem um pouco de sofrimento. Não é possível parar de fumar sem sentir falta do cigarro. O sucesso em qualquer área exige um preço a ser pago, de esforço e persistência. Qualquer atalho é ilusão e o resultado pode ser irreversível.
A forma como idealizamos as relações com as pessoas também gera desastres. Idealizar que alguém deveria ser de uma forma é uma tremenda injustiça. É na verdade um desrespeito à individualidade da pessoa. Ou eu aceito as pessoas como são ou… mais sofrimento chegando. Amigos, amantes, colegas de trabalho, familiares, todos com os quais convivemos tem seu jeito próprio de ser. Não devemos querer transforma-los na imagem que idealizamos. Isso seria ignorar as próprias escolhas deles e transforma-los em objetos da nossa satisfação. Um outro pecado da idealização é cair na inocência de que as pessoas ou são inteiramente boas ou ruins. Ninguém é totalmente sem defeitos ou totalmente estragado. Isso é outra injustiça. Jogamos fora incríveis contribuições que alguém pode dar por que alimentamos um julgamento a priori de que ela é uma má pessoa e por isso nada que ela produz é bom. Fazemos isso quando descartamos um ideia que pode ser genial só por que veio “daquela pessoa”. E entramos também na armadilha de achar que quem é bom sempre será bom. Quando chega o dia em que a pessoa frustra nossas expectativas , toda aquela imagem vai embora e ficamos revoltados. Outra vez estamos sendo injustos e exigindo a perfeição de alguém só por que idealizamos isso. Ainda há o risco de que acreditemos demais em alguém só por que essa pessoa aparentemente se encaixa no nosso ideal e acabamos enganados por ela.
A idealização pode trazer destruição a todo lugar que toca. Mas como todo grande vilão das histórias de herói ela tem um ponto fraco e existe uma arma secreta capaz de derrota-la. A idealização não resiste ao contato com a realidade e a arma que podemos usar é a aceitação. Praticar a aceitação da realidade permite que nos tornemos mais flexíveis e adaptáveis. Cria uma cultura de não prejulgar a vida e de mais respeito para com as pessoas e suas escolhas. Aceitar como somos e entender que estamos em processo de evolução rumo a algo melhor e que isso não pode ser alcançado sem esforço contínuo. Assim a aceitação não só cria paz exterior, com as pessoas com quem convivemos, mas também paz interior quando paramos de entrar em constante guerra contra quem nós somos.
Por isso, você que é o herói da sua vida, deve ficar atento aos sinais do avanço e atuação desse vilão e inimigo tão destruidor. Fique atento e aprenda a ver as suas armadilhas no caminho da vida e a usar a aceitação para derrotá-lo.